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Cadê o rio que estava aqui?





Entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, está o local perfeito para ser ocupado pelos recém chegados portugueses. Grupos indígenas já viviam no local e é bem ali, numa convidativa colina entre os dois rios, que eles fundam a pequena Vila de São Paulo de Piratinga. A localização geográfica não podia ser melhor. Além de fornecer água e alimento em abundância, os rios eram importantes via de conexão entre o litoral e o interior da cidade, permitindo o transporte e comércio de vários produtos que eram descarregados em um porto situado ali perto: a ladeira Porto Geral, próximo ao atual mosteiro São Bento



Se no início, a presença dos rios era suficiente para garantir a demanda de seus moradores e a sobrevivência da Vila, tudo mudou a partir do século XVIII, com o grande crescimento populacional. Foi aí que teve inicio o abastecimento de água canalizada na cidade, em plena expansão. No início do século XIX, para se ter uma ideia, já existiam até pontes sobre os Rios Tamanduateí, Anhangabaú e Tietê.
Com a expansão da economia do café, os processos de crescimento da cidade e urbanização tornam-se inevitáveis. São Paulo é uma cidade em ascensão. Um dos marcos dessa fase é a construção da Ferrovia que liga São Paulo a Jundiaí, a São Paulo Railway, para transportar os grãos de café até o Porto de Santos. 
A cidade enriquecia e os rios, antes recursos naturais imprescindíveis a ocupação do território, passaram a ser vistos como empecilhos para o avanço da urbanização. Paralelamente a isto, havia um discurso sobre a importância do saneamento básico e o combate às enchentes e, além disso, com o crescimento das ferrovias, São Paulo já não necessitava de seus rios como via de circulação comercial.
A cidade se industrializava e os rios começam a ser retificados.
Após as ferrovias, foi a vez do investimento em rodovias. Bondes e automóveis passaram a ocupar as vias públicas da cidade na época em que a indústria crescia. O Plano das Avenidas, de Prestes Maia, evidencia a escolha por um projeto modernista de cidade e foi também um marco do processo acelerado de urbanização e verticalização.
É neste início do século XX que se inaugura a prática corrente de canalizar e retificar os rios, o que mais tarde se revelou um problema estrutural para a ocorrência de enchentes e alagamentos na grande cidade.
Assim, os rios, que foram fatores determinantes na fundação da Vila de São Paulo de Piratininga, tornaram-se, à medida em que a cidade crescia, obstáculos ao seu processo de urbanização. As inundações periódicas das várzeas, antes admiradas como um espetáculo da natureza, transformaram-se em focos de doença na medida em que a população aumentava.

Os rios, antes serpenteados, foram endireitados para que o fluxo das águas corresse acelerado, para que não se tornasse foco de doenças. Como consequência, a paisagem da cidade mudou drasticamente e é bem provável que hoje, ao caminhar por uma via pública, não façamos a mais remota ideia de que um rio passa sob nossos pés! Ou ainda, podemos imaginar que os rios Pinheiros e Tietê já nasceram assim, retinhos, prontos para receber aos seus lados, as ilustres marginais!
Para saber mais sobre essa história, assista ao excelente documentário "Entre Rios", que conta sobre as escolhas feitas durante o processo de urbanização da cidade de São Paulo.




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